segunda-feira, julho 17, 2006

Um mesmo horizonte...


"Meus sapatos seguem
ao lado dos teus, a mesma pedra
que altera o hábito do chão e faz baixar as asas do olhar
e torna árduo
o declive nos aproxima
a mesma subida
imprevista no sonho
quase nada
nos faz olhar para trás
só as vozes
frágeis
com que os netos chamam
as nossas mãos
guiam-se
os nossos sapatos
lado a lado batem
no mesmo coração. "
Confesso que apesar do poema ser muito bonito não foi o que mais me atraiu...o que mais me atraiu foi a imagem! Comovi-me ao olhar para ela, assim como me comovo quando vejo um casal de pessoas idosas de mão dada, quando vejo uma mulher que quase não consegue andar a ajudar o marido ainda pior do que ela ou quando oiço um senhor, já de idade, a referir-se à mulher como”a minha menina”...No meio de uma sociedade na qual já quase não existem valores, comovo-me com estas imagens...Quando já quase não existe respeito, quando penso que tudo está perdido lembro-me das minhas avós, duas verdadeiras heroínas (cada uma à sua maneira, é certo) uma delas, isolada numa aldeia transmontana, sem forças continua a viver o dia-a-dia tratando da sua "quinta" e cuidando do meu avô acamado com um carinho uma dedicação constantes…A minha outra avó, vive num apartamento, na cidade, atormentada pelas memórias do passado, com saudades de um marido e de um filho que partiram ao mesmo tempo com doenças diferentes, sem que ela tivesse tempo de perceber o que se passou…Elas já não conseguem pensar como uma só…pensam e fazem tudo como se o companheiro de toda uma vida estivesse sempre ali, como se nada tivesse mudado, porque um dia eles prometeram um ao outro que nada os separaria…nem mesmo a morte.

3 Comentários:

Blogger Cristiana disse...

Isso sim é o verdadeiro amor. Amor não é aquele a que se diz "sim" no altar e a que se diz "não" momentos a seguir. Não é aquele que vivemos no dia-a-dia e nem sabemos se terá um futuro promissor. Amor é esse que vivem os idosos, durante anos seguidos, partilhando a vida nas suas perfeições e defeitos, partilhando as alegrias e apoiando-se nas horas de dor, vivendo inteiramente para dar sem necessitar de receber nada senão a reciprocidade do amor oposto que não tem preço. Um dia, quando a vida decide fazer a sua cruel justiça, um deles tem de partir. E é aí que o verdadeiro amor se afirma. Mesmo com um dos elementos ausente, a verdade é que o coração do outro continua a bater por si, agora na esperança do reencontro que já esteve mais longe.
Comovo-me como tu perante o amor dos nossos avós (mesmo que a vida já os tenha levado de nós) e desejo que possa viver esse sentimento em toda a sua acepção.

18 julho, 2006 17:19  
Blogger Sílvia disse...

"Aimer, se n'est pas se regarder l'un a l'autre, mais si ensemble dans la même direction."

Antoine de Saint Exupéry

25 julho, 2006 22:25  
Blogger Sandrinha disse...

Faz precisamente por estes dias 2anos que vi uma cena parecida com esta. Ela doente terminal (sem saber) sentada à lareira e le ao seu lado. Os dois de mãos dadas fizeram-me acreditar que o amor para toda a vida existe de facto... Jamais me esquecerei aquelas imagens, aqules últimos dias de vida de uma pessoa que admiro mais do que tudo:a minha avó. A última vez que a vi no dia 14 de fevereiro de 2005 e até hoje sinto-a aqui. Tinha uma capacidade de amar e perdoar que eu nunca terei, por muito que me esforce.
E isto é comum a todas as pessoas dessa geração: mantêm-se unidas para sempre pelos laços do amor e pela família que geraram.
Também me comovi quando vi a imagem pois parece-se tanto com aquela que está presente na minha memória, momento que pela primeira vez na vida me fez sentir que queria envelhecer com alguém ao meu lado. Se isso acontecer, deve-se ao milagre que a minha avó me deixou antes de partir...
Que texto lindo, Nia. Obrigada por me relembrares de tudo isto...

13 fevereiro, 2007 18:35  

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